O terremoto de 11 de março no Japão abalou, mais uma vez, a aposta na energia nuclear como alternativa para o futuro num mundo sob aquecimento global. Felizes são os países como o Brasil que dispõem de abundantes recursos energéticos renováveis
Grossas colunas de fumaça na usina nuclear de Fukushima indicam que a temperatura altíssima dentro dos reatores avariados separou, na água de resfriamento, o oxigênio do hidrogênio inflamável. São explosões de hidrogênio.
O perigo nuclear gerado pelo terremoto e pelo tsunami de 11 de março nas usinas do Japão relançou com força, em todo o mundo, a discussão sobre a segurança desse tipo de energia. Países como os Estados Unidos e a Alemanha, com 19,4% e 25,9% de participação nuclear na matriz energética, vinham se mobilizando para retirar a fonte de energia do limbo das opções controversas, dada a sua capacidade inegável de produzir megawatts a custo competitivo com poucas emissões de gases de efeito estufa. Nos últimos anos, a ameaça do aquecimento global levou especialistas e muitos ambientalistas a admitir a retomada dos projetos nucleares. A tragédia no Japão serviu para relembrar que, nesse caso, há riscos piores em jogo.
Em 2010, o governo norte-americano anunciou a destinação de US$ 18,5 bilhões em créditos tributários ao setor nuclear, posteriormente dilatados para US$ 54 bilhões na proposta enviada pelo presidente Barack Obama ao Congresso. Após a tragédia japonesa, o presidente americano reiterou a disposição de manter o programa de construção de 18 novas usinas, mas boa parte dos projetos deverá passar por revisão, já que cientistas críticos alegam que a segurança das novas plantas não contempla satisfatoriamente a ocorrência de eventos como terremotos - cuja possibilidade não pode mais ser ignorada.
Especialista em energia, o senador democrata Joseph Lieberman declarou que os problemas surgidos nas centrais de Fukushima, Onagawa e Tokai "alertam os Estados Unidos não para que cancelem a construção de reatores nucleares, mas para que freiem imediatamente até que compreendamos todas as ramificações do que aconteceu". A Casa Branca, entretanto, descartou a hipótese por meio do porta-voz Clark Stevens: "O presidente Obama acredita que atender às necessidades de energia dos Estados Unidos implica estruturar uma matriz diversificada de energia que inclui fontes renováveis como vento, sol e gás natural, carvão limpo e energia nuclear."
Alemanha e Suíça não concordam. A chanceler Angela Merkel anunciou uma moratória de três meses do programa de extensão da operação das usinas alemãs. O governo suíço anunciou a suspensão da renovação do seu parque nuclear. A Itália, que interrompera seu programa atômico em 1987 e estudava a reativação, decidiu parar para repensar. Bélgica e Polônia, que também planejavam prolongar a vida útil das suas centrais, anunciaram que reavaliarão os projetos.
Zigue-zagues
As questões de segurança têm imposto sucessivos zigue-zagues ao desenvolvimento da indústria nuclear. Depois do seu início, nos anos 1960, houve um pico de construção de usinas em 1974, com 23 reatores novos e geração de 15 gigawatts (GW). Mas os temores sobre a segurança, as críticas sobre os riscos e a inexistência de uma solução duradoura para o problema do armazenamento do lixo radioativo arrefeceram a expansão, que chegou a 1979 com apenas 6 GW.
Em 29 de março de 1979 ocorreu o acidente de Three Mile Island, na Pensilvânia (EUA), que levou 140 mil pessoas a deixar suas casas e de novo congelou o setor. Só em 1985 voltou a haver expansão, com a construção de 30 novos reatores. Entretanto, em 29 de abril de 1986 o acidente de Chernobyl, na ex-União Soviética, matou 56 pessoas, contaminou 5 mil e gerou uma queda vertiginosa na indústria: a instalação de novos reatores despencou de 30 para 5 por ano, em 1990.
Com o aumento da consciência sobre o aquecimento global, especialistas em energia e ecologistas notáveis começaram a mudar de posição, como o canadense Patrick Moore, fundador do Greenpeace, o bispo anglicano Hugh Montefiore, ex-líder dos Amigos da Terra, o cientista britânico James Lovelock, o geógrafo norteamericano Jared Diamond e o ex-conselheiro científico de Barack Obama, John Holdren. As dúvidas persistentes sobre o lixo atômico e o risco das operações foram preteridas pelas vantagens da geração de energia com pouca emissão de gases. Em 2006, o número de reatores em operação em 30 países passou a 443, gerando 16% da eletricidade mundial. Atualmente, há 439 usinas funcionando, 62 encomendadas e mais 324 propostas. A França detém o recorde de 78% de participação nuclear na matriz elétrica.
Os heróis de fukushima
Quase todos os reatores em operação no mundo são Reatores de Água Leve, da primeira geração da indústria, de dois tipos: PWR (Reator de Água Pressurizada) ou BWR (Reator de Água Fervente). Os PWR são o Volkswagen da indústria nuclear, fáceis de operar e muito disseminados, como os reatores brasileiros de Angra I e Angra II. Neles, a água é usada tanto para moderar a reação de fissão dos átomos de urânio-235 quanto para resfriar o calor produzido que movimenta uma turbina-vapor por intermédio de um circuito secundário. Nos reatores BWR - como são as seis máquinas da usina de Fukushima -, a água não passa por circuito secundário, mas vaporiza-se acionando diretamente a turbina. Nesse caso, há menos equipamentos, mas a radioatividade gerada pelo processo tem propagação maior.
Sem o resfriamento proporcionado pelo bombeamento da água, a temperatura nas varetas de combustível no interior do vaso de um reator pode ultrapassar 2.000 graus centígrados. O terremoto e o tsunami que atingiram Fukushima danificaram as bombas de água, induzindo o reator a entrar em processo de superaquecimento e de derretimento e a liberar radiação. "Em Three Mile Island também houve um problema no bombeamento de água, um acidente mecânico", explica o físico brasileiro José Goldemberg. "O reator esquentou até fundir-se e liberar radiação, embora o vaso de contenção nunca tenha se rompido, como aconteceu em Chernobyl. Como o vaso de concreto e aço é antigo, com 30 ou 40 anos, há fissuras. Também há encanamentos por onde a radiação escapa."
Para o professor brasileiro, os técnicos japoneses comportaram-se bem. Os 50 funcionários que decidiram ficar na usina, expostos à contaminação radioativa, para esfriar a temperatura do reator e evitar uma hipotética fusão, merecem ser chamados de "os 50 heróis de Fukushima". A saúde deles não será mais a mesma.
Cerca de 210 mil pessoas foram retiradas de um raio de 20 quilômetros ao redor dos reatores de Fukushima. Se o vazamento de radiação da usina se agravar, muitas não conseguirão voltar às suas casas. O Japão concentra 20% de todos os terremotos acima de seis graus da escala Richter de dez graus. Apesar do risco, 55 usinas nucleares fornecem 30% da eletricidade consumida. O país não dispõe de outras fontes de energia.
"Se o esquentamento não arrefece, o reator pode fundir-se e derreter. Os operadores foram forçados a abrir comportas para deixar escapar radiação e a usar água do mar para esfriar a temperatura, evitando a explosão do vaso. As explosões em Fukushima indicam que a temperatura altíssima da água separou o oxigênio do hidrogênio inflamável. São explosões de hidrogênio."
Reatores mais modernos poderiam ter evitado o acidente? Talvez. Mas os reatores de segunda geração, que usam água pesada e grafite como agente moderador, e os de terceira, que usam hélio, só existem em plantas pilotos. "A indústria não fabrica esses equipamentos. Você não encomenda um reator de segunda ou terceira geração."
Reatores mais modernos poderiam ter evitado o acidente? Talvez. Mas os reatores de segunda geração, que usam água pesada e grafite como agente moderador, e os de terceira, que usam hélio, só existem em plantas pilotos. "A indústria não fabrica esses equipamentos. Você não encomenda um reator de segunda ou terceira geração."
Diante da contingência de terremotos, maremotos, falhas humanas e atentados terroristas, é evidente que a tecnologia nuclear apresenta riscos. "Venho dizendo isso há anos. Esta sucessão de acidentes, Three Mile Island, Chernobyl e agora Fukushima, mostra que existem problemas. Deveríamos ser mais humildes diante deles", afirma Goldemberg. Além de obrigar a remoção de 210 mil pessoas da região de Fukushima o sinistro provocou aumento de radioatividade e ameaça de pânico em Tóquio, a 250 quilômetros de distância.
Há muito para o Brasil aprender com o sinistro. E também a celebrar. Poucos países possuem fontes abundantes de energia renovável, como energia eólica, energia solar, biomassa agrícola (etanol, biodiesel e carvão vegetal) e 12% das águas de superfície do mundo, um vasto potencial hidrelétrico. Graças à rede de hidrelétricas que oferecem energia firme, contínua e confiável - mas que também geram graves problemas ambientais -, o Brasil possui a matriz elétrica mais limpa do mundo. Somos ricos também em combustíveis fósseis, com o petróleo do pré-sal, o gás, o carvão e a quinta maior jazida de urânio do mundo, principal motivo do desenvolvimento do programa nuclear brasileiro. Mas, diante dos riscos nucleares e da abundância de alternativas, cabe perguntar: será que precisamos?
Grossas colunas de fumaça na usina nuclear de Fukushima indicam que a temperatura altíssima dentro dos reatores avariados separou, na água de resfriamento, o oxigênio do hidrogênio inflamável. São explosões de hidrogênio.
O perigo nuclear gerado pelo terremoto e pelo tsunami de 11 de março nas usinas do Japão relançou com força, em todo o mundo, a discussão sobre a segurança desse tipo de energia. Países como os Estados Unidos e a Alemanha, com 19,4% e 25,9% de participação nuclear na matriz energética, vinham se mobilizando para retirar a fonte de energia do limbo das opções controversas, dada a sua capacidade inegável de produzir megawatts a custo competitivo com poucas emissões de gases de efeito estufa. Nos últimos anos, a ameaça do aquecimento global levou especialistas e muitos ambientalistas a admitir a retomada dos projetos nucleares. A tragédia no Japão serviu para relembrar que, nesse caso, há riscos piores em jogo.
Em 2010, o governo norte-americano anunciou a destinação de US$ 18,5 bilhões em créditos tributários ao setor nuclear, posteriormente dilatados para US$ 54 bilhões na proposta enviada pelo presidente Barack Obama ao Congresso. Após a tragédia japonesa, o presidente americano reiterou a disposição de manter o programa de construção de 18 novas usinas, mas boa parte dos projetos deverá passar por revisão, já que cientistas críticos alegam que a segurança das novas plantas não contempla satisfatoriamente a ocorrência de eventos como terremotos - cuja possibilidade não pode mais ser ignorada.
Especialista em energia, o senador democrata Joseph Lieberman declarou que os problemas surgidos nas centrais de Fukushima, Onagawa e Tokai "alertam os Estados Unidos não para que cancelem a construção de reatores nucleares, mas para que freiem imediatamente até que compreendamos todas as ramificações do que aconteceu". A Casa Branca, entretanto, descartou a hipótese por meio do porta-voz Clark Stevens: "O presidente Obama acredita que atender às necessidades de energia dos Estados Unidos implica estruturar uma matriz diversificada de energia que inclui fontes renováveis como vento, sol e gás natural, carvão limpo e energia nuclear."
Alemanha e Suíça não concordam. A chanceler Angela Merkel anunciou uma moratória de três meses do programa de extensão da operação das usinas alemãs. O governo suíço anunciou a suspensão da renovação do seu parque nuclear. A Itália, que interrompera seu programa atômico em 1987 e estudava a reativação, decidiu parar para repensar. Bélgica e Polônia, que também planejavam prolongar a vida útil das suas centrais, anunciaram que reavaliarão os projetos.
Zigue-zagues
As questões de segurança têm imposto sucessivos zigue-zagues ao desenvolvimento da indústria nuclear. Depois do seu início, nos anos 1960, houve um pico de construção de usinas em 1974, com 23 reatores novos e geração de 15 gigawatts (GW). Mas os temores sobre a segurança, as críticas sobre os riscos e a inexistência de uma solução duradoura para o problema do armazenamento do lixo radioativo arrefeceram a expansão, que chegou a 1979 com apenas 6 GW.
Em 29 de março de 1979 ocorreu o acidente de Three Mile Island, na Pensilvânia (EUA), que levou 140 mil pessoas a deixar suas casas e de novo congelou o setor. Só em 1985 voltou a haver expansão, com a construção de 30 novos reatores. Entretanto, em 29 de abril de 1986 o acidente de Chernobyl, na ex-União Soviética, matou 56 pessoas, contaminou 5 mil e gerou uma queda vertiginosa na indústria: a instalação de novos reatores despencou de 30 para 5 por ano, em 1990.
Com o aumento da consciência sobre o aquecimento global, especialistas em energia e ecologistas notáveis começaram a mudar de posição, como o canadense Patrick Moore, fundador do Greenpeace, o bispo anglicano Hugh Montefiore, ex-líder dos Amigos da Terra, o cientista britânico James Lovelock, o geógrafo norteamericano Jared Diamond e o ex-conselheiro científico de Barack Obama, John Holdren. As dúvidas persistentes sobre o lixo atômico e o risco das operações foram preteridas pelas vantagens da geração de energia com pouca emissão de gases. Em 2006, o número de reatores em operação em 30 países passou a 443, gerando 16% da eletricidade mundial. Atualmente, há 439 usinas funcionando, 62 encomendadas e mais 324 propostas. A França detém o recorde de 78% de participação nuclear na matriz elétrica.
Os heróis de fukushima
Quase todos os reatores em operação no mundo são Reatores de Água Leve, da primeira geração da indústria, de dois tipos: PWR (Reator de Água Pressurizada) ou BWR (Reator de Água Fervente). Os PWR são o Volkswagen da indústria nuclear, fáceis de operar e muito disseminados, como os reatores brasileiros de Angra I e Angra II. Neles, a água é usada tanto para moderar a reação de fissão dos átomos de urânio-235 quanto para resfriar o calor produzido que movimenta uma turbina-vapor por intermédio de um circuito secundário. Nos reatores BWR - como são as seis máquinas da usina de Fukushima -, a água não passa por circuito secundário, mas vaporiza-se acionando diretamente a turbina. Nesse caso, há menos equipamentos, mas a radioatividade gerada pelo processo tem propagação maior.
Sem o resfriamento proporcionado pelo bombeamento da água, a temperatura nas varetas de combustível no interior do vaso de um reator pode ultrapassar 2.000 graus centígrados. O terremoto e o tsunami que atingiram Fukushima danificaram as bombas de água, induzindo o reator a entrar em processo de superaquecimento e de derretimento e a liberar radiação. "Em Three Mile Island também houve um problema no bombeamento de água, um acidente mecânico", explica o físico brasileiro José Goldemberg. "O reator esquentou até fundir-se e liberar radiação, embora o vaso de contenção nunca tenha se rompido, como aconteceu em Chernobyl. Como o vaso de concreto e aço é antigo, com 30 ou 40 anos, há fissuras. Também há encanamentos por onde a radiação escapa."
Para o professor brasileiro, os técnicos japoneses comportaram-se bem. Os 50 funcionários que decidiram ficar na usina, expostos à contaminação radioativa, para esfriar a temperatura do reator e evitar uma hipotética fusão, merecem ser chamados de "os 50 heróis de Fukushima". A saúde deles não será mais a mesma.
Cerca de 210 mil pessoas foram retiradas de um raio de 20 quilômetros ao redor dos reatores de Fukushima. Se o vazamento de radiação da usina se agravar, muitas não conseguirão voltar às suas casas. O Japão concentra 20% de todos os terremotos acima de seis graus da escala Richter de dez graus. Apesar do risco, 55 usinas nucleares fornecem 30% da eletricidade consumida. O país não dispõe de outras fontes de energia.
"Se o esquentamento não arrefece, o reator pode fundir-se e derreter. Os operadores foram forçados a abrir comportas para deixar escapar radiação e a usar água do mar para esfriar a temperatura, evitando a explosão do vaso. As explosões em Fukushima indicam que a temperatura altíssima da água separou o oxigênio do hidrogênio inflamável. São explosões de hidrogênio."
Reatores mais modernos poderiam ter evitado o acidente? Talvez. Mas os reatores de segunda geração, que usam água pesada e grafite como agente moderador, e os de terceira, que usam hélio, só existem em plantas pilotos. "A indústria não fabrica esses equipamentos. Você não encomenda um reator de segunda ou terceira geração."
Reatores mais modernos poderiam ter evitado o acidente? Talvez. Mas os reatores de segunda geração, que usam água pesada e grafite como agente moderador, e os de terceira, que usam hélio, só existem em plantas pilotos. "A indústria não fabrica esses equipamentos. Você não encomenda um reator de segunda ou terceira geração."
Diante da contingência de terremotos, maremotos, falhas humanas e atentados terroristas, é evidente que a tecnologia nuclear apresenta riscos. "Venho dizendo isso há anos. Esta sucessão de acidentes, Three Mile Island, Chernobyl e agora Fukushima, mostra que existem problemas. Deveríamos ser mais humildes diante deles", afirma Goldemberg. Além de obrigar a remoção de 210 mil pessoas da região de Fukushima o sinistro provocou aumento de radioatividade e ameaça de pânico em Tóquio, a 250 quilômetros de distância.
Há muito para o Brasil aprender com o sinistro. E também a celebrar. Poucos países possuem fontes abundantes de energia renovável, como energia eólica, energia solar, biomassa agrícola (etanol, biodiesel e carvão vegetal) e 12% das águas de superfície do mundo, um vasto potencial hidrelétrico. Graças à rede de hidrelétricas que oferecem energia firme, contínua e confiável - mas que também geram graves problemas ambientais -, o Brasil possui a matriz elétrica mais limpa do mundo. Somos ricos também em combustíveis fósseis, com o petróleo do pré-sal, o gás, o carvão e a quinta maior jazida de urânio do mundo, principal motivo do desenvolvimento do programa nuclear brasileiro. Mas, diante dos riscos nucleares e da abundância de alternativas, cabe perguntar: será que precisamos?
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